terça-feira, 10 de junho de 2025

Confirmação

 

Derramo por ti diárias libações lacrimosas,

e a mim nada retornas, ó deus tão maligno. 

Tu, que a todos compele, menos a mim, diga: 

por que quanto mais devoto a ti sou, 

mais odioso a mim tu és? 


Sejais grato e reconheças tu o meu esforço. 

Me diga, então, tu, ó deus, se és como o Amor, 

que se faz mais escuro quanto mais é iluminado, 

e que se codifica ao passo de ser decifrado. 

Me diga:

 

que busca na devoção a simples vida vivida 

de seu maior fiel, 

em contraste à vida conduzida pela refrega do pensamento 

de seu maior pecador? 


Confirma, e serei temente. 

Serei temente, pois já no amor falhei,

tentado nomear cada olhar, cada abraço,

cada gesto e cada palavra. 


Confirma e restará a mim, enquanto temo, 

arranjar pouso nas palavras tenras, doces, 

e fatalmente solitárias, 

que tudo podem explicar, mas nada podem amar.

Espelho do banheiro

 

Espelho companheiro que vive

dependurado na fria parede de meu banheiro,

quantas vezes já não me viste?

Quantas vezes já não me vistes, em mil vestes, me vestir?

De quantas versões tão tristes as aversões já não reprimistes?

Tu, que demonstras de forma fiel minha imagem em pura cópia,

de nada tens culpa.


Se fosse eu árvore, mostraria árvore;

se fosse eu montes, mostraria montes.

Sou, no entanto, eu, e mostra-me eu.

De forma fiel, minha imagem em pura cópia

e de nada tens culpa.

Tenho eu, então, toda a culpa

pois a mim em ti não vejo.


Vejo baixo, reles, vil,

quando aponta para mim meus olhos

e o terror se apronta em mim. 

Entenda pois, espelho amigo, 

contigo não estou acabrunhado; 

afinal é tentando ver a mim mesmo

que meu sobrolho fica carregado.