domingo, 26 de março de 2023

O panóptico nosso de cada dia

Eu não me aprofundei o tanto quanto queria em Foucault e Deleuze mas sei de certo modo que o objetivo do panóptico não é de fato observar os prisioneiros mas sim lembrá-los de que eles estão sendo observados e assim submetidos inconscientemente a uma doutrina de subordinação. Você nunca vê o guarda e algumas eventuais ações do guarda o levam a acreditar que ele sempre te observa.

Quem é o guarda, em qual torre ele fica e quem são os prisioneiros do contexto em que vivemos? Nós definitivamente somos os prisioneiros que embrenhados em uma profunda e inescapável tecnocracia também nos tornamos o guarda. Isso é o básico que qualquer aluno de comunicação que se preze aprende no primeiro semestre de qualquer faculdade decente. Há porém uma discussão pertinente e interessante a ser feita em relação a perduração do controle das instituições.

Quando Assange e Snowden são presos por liberar arquivos confidenciais que demonstram a facilidade na qual instituições clássicas da sociedade disciplinar conseguem espionar o cidadão médio surgem duas revoltas; "Os criminosos não são Assange e Snowden" e "O governo está me observando". Muita força é creditada ao panóptico, se antes se duvidava que uma sociedade como a de 1984 pudesse existir, agora há uma confirmação. Faça um simples exercício de pensamento e tente imaginar o espaço físico necessário para armazenar tudo de tangível que ocorre na internet. Ainda não atingimos esta tecnologia, as agências governamentais não têm esse poder de armazenamento, mas isso não importa, o importante é acreditarmos que o guarda sempre pode nos ver e que o japonês da federal sabe os seus mais íntimos fetiches. 

Quando pessoas são "canceladas" (paralelo cômico com "vaporizadas") porque em 2009 tuitaram uma triste palavra de 5 letras, ergue-se em meio as redes sociais uma enorme torre de vigia e as pessoas passam a se comportar conforme o que é "correto". "Eu ia expressar algo genuíno e real que eu sinto para aqueles que eu conheço mas temo que isso possa acatar no meu desemprego". Essas contribuições recorrentes de usuários agindo dentro do "correto" agregam mais valor ainda a mística da subordinação, "se todos estão agindo assim é porque deve ser mesmo o jeito certo de agir.".

Nós, insignificantes, massa trabalhadora, estudantes e pessoas que apenas aspiram, vivemos a pescar palavras a esmo porque tememos o eco de um martelo que bate apenas no outro lado do vale, nós escutamos esse martelo diariamente ressoando pelas montanhas e de vez em quando ele fica mais forte indicando uma certa aproximação, inevitavelmente ele sempre retorna ao outro lado do vale. Nós, a maioria, cidadãos normais, estamos tão baixos que o guarda teria que pôr a cabeça para fora da torre de vigia para conseguir nos ver. 

Diga o que quiser, compre drogas pelo correio, dirija levemente bêbado (é divertido) e não tenha muito medo porque afinal das contas, somos insignificantes demais para movimentar agencias governamentais. Há um certo solipsismo em pensar que não existam pessoas mais importantes para serem observadas. Isso tudo porém, só vale se você não for importante... e como saber se você é importante? Sendo pego.

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