sexta-feira, 17 de março de 2023

A fotografia de rua dentro das quadras

A fotografia esportiva é um dos pilares do mito do heroísmo atlético. Voltada para a recordação de grandes feitos físicos ela serve muitas vezes apenas como um testamento à grandeza do atleta e do esporte na qualidade do patológico mérito dicotômico que permeia a mídia esportiva. Assim como os fotógrafos de rua buscam evidenciar a arte do corriqueiro, eu sempre busquei evidenciar a arte do esporte.


Vivi uma longa vida como atleta e nela pude aprender e me esgotar dos muitos pormenores e "pormaiores" que envolvem as competições esportivas, por isso, quando me tornei à fotografia meu interesse não era exaltar o atleta e seus feitos, meu interesse era reproduzir o que eu aprendia estudando Bresson, Winogrand e Ronis (além de Caravaggio, Chirico e Hopper que não são fotógrafos mas muito me influenciaram) a grande diferença foi que Ronis vivia em Paris, Winogrand vivia em Nova Iorque e Eu vivia no basquete.




Quando passei meses fotografando jogos do clube Monte Líbano e orgulhosamente apresentei as fotografias ao meu professor de fotojornalismo tive uma certa epifania em torno do sentido do que eu estava produzindo; O professor criticou minhas fotos pelo fato delas não apresentarem contexto suficiente sobre o jogo que acontecia, quem as via não sabia quem havia vencido, quem estava com a bola ou melhor, "cadê a porra da bola na foto", esse nunca foi meu objetivo, eu não queria ilustrar a manchete de uma casa de apostas, eu queria demonstrar que no esporte há o barroco, há Bresson. O esporte carrega consigo uma capacidade enorme de sintetizar a experiência humana que é deixada à margem da reportagem simplória do vencedor/perdedor.



Assim como eventos corriqueiros das ruas das metrópoles tenham suas nuances e sensibilidades artísticas absortas que são capturadas pelo olhar sensível de um fotógrafo, o esporte também é reduzido aos resultados e desumanizado pela falta de sensibilidade (sistematicamente o negócio midiático passou a favorecer a falta de sensibilidade). O fato é: tudo que é permeado pela experiência e pelo tato humano é passível de carregar uma carga emocional forte porém sutil, cabe a nós percebê-la. A arte e o esporte são exclusivamente humanos.

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