Depois de um longo domingo, que sucedeu um também longo sábado de cozinha, cortes e queimaduras, os cozinheiros se encontraram no novo Z Deli Restaurante e Delicatessen.
Com duas horas de sono no bolso esquerdo e dez horas de trabalho no bolso direito, cheguei ao local e me deparei com uma calçada repleta de seres famintos, alguns de pé conversando, alguns sentados imobilizados pela fome mas todos roíam as unhas esperando por uma mesa. Achei bom sinal. Eu havia chegado antes dos meus colegas e não estava a fim de esperar sozinho. Resolvi dar uma volta pelo bairro para averiguar se esse movimento estava se replicando nos outros restaurantes ou se era exclusivo ao Z Deli e, ao encontrar apenas salões desertos e garçons entediados, minha expectativa aumentou. Retornei ao restaurante e lá encontrei alguns dos meus conhecidos que chegaram nesse meio tempo.
Quando você dá o seu nome para uma hostess inundada por Felipes de 4 lugares, Marias de 2 lugares e Marcos de só um banquinho no bar se possível, você se conforma em ficar de pé por pelo menos uma hora assistindo, ouvindo e criando expectativas em cima do restaurante. Normalmente este momento de espera é uma penitência; desconforto geral, fome, sede, inveja dos que comem, inveja dos que são chamados, aquela pessoa também de pé e também com fome e sede mas que consegue ser insuportável e falar alto demais e tudo te irrita. A fome te consome, você se animaliza por completo e começa a clamar silenciosamente por comida e conforto, principalmente conforto. Acima de tudo você quer se aconchegar. No Z Deli a espera foi agradável, montaram uma mesa na calçada e nos trouxeram águas de cortesia.
Entramos no restaurante por volta das 8 horas. Logo com os primeiros passos para dentro do salão você se encontra dentro de um apartamento de um prédio antigo da Cerqueira César; madeira envernizada, luz amarela indireta, paredes repletas de arte e fotografia, cortinas escuras e grossas, metais com detalhes em dourado e um bom gosto geral, você pensa: Sou um conviva de uma família de judeus.
O cardápio é sintético e, o mais importante de tudo, físico, palpável, real. Uma folha de cartão revestida em plástico, a qual você pode tocar, cheirar e sentir os dedos engordurados das pessoas que foram felizes antes de você. Também, é claro, você pode escolher o que quer comer. E nós escolhemos. Comemos todas as entradas (não me lembro se foram 8 ou 9) e, como testamento de um ótimo restaurante, todas estavam impecáveis Pratos simples com propostas e objetivos claros e concisos, comida inteligente, não tenta ser mais do que é e também não deixa desejar. Os destaques foram o kibe cru, as pastas, o patê de fígado, o hommus e a alcachofra. Houve um prato, no entanto, que causou uma divisão na mesa; o simples e introvertido, porém clássico, matzo ball. Uma bola insípida de textura esponjosa se banhando em caldo de frango. Eu gostei, achei refinado, compreendi o seu papel e o acolhi de mente (e boca) aberta. Ele serve um paladar afetivo e específico; um prato leve e equilibrado para acalmar a fome e abrir o apetite.
Enquanto comíamos fomos atendidos por uma equipe de salão rápida e atenciosa, é claro, servir pessoas domingo à noite requer muita vontade e paciência. Eu pessoalmente não conseguiria. Nada foi perdido ou esquecido pela equipe de salão. O bom garçon é como o bom árbitro de futebol: invisível. Ele faz com que as coisas ocorram com fluidez e deixa a comida ser o astro da noite. Pedi um drink de coentro e maçã verde incrivelmente barato (em um restaurante upscale no Jardins nunca se espera pagar menos do que 45 reais em um drink), por 33 reais estava tomando uma bomba de coentro equilibrada com gin e maçã verde, recomendo para aqueles que, assim como eu, vivem pelo coentro.
Depois de passarmos uma boa hora e meia comendo, decidimos que era o momento de comer ainda mais. Estava na hora dos pratos principais. Tivemos o prazer de sermos gracejados pela Chef com um interlúdio de pastrami, batatas fritas, picles, mostarda, coleslaw e mais pastrami, este, que estava muito bem temperado, gritava "aqui as pessoas me fazem com carinho" e foi um sopro de alívio para o cidadão paulistano que sofre em achar um bom pastrami. Este interlúdio foi rapidamente devorado, abrindo espaço para pedirmos mais coisas. A Chef nos sugeriu o Farfel, pedimos dois para a mesa e mais três outros pratos: o chorizo, o canelone e o cholent. O farfel e o canelone foram as estrelas; colagenudo, temperado e com fregula cozida corretamente, o farfel entrega uma ideia redonda e completa, recomendo. O canelone fez os olhos de todos brilharem quando chegou na mesa, o molho de tomate vivo, fresco e vibrante contrastava muito bem com o queijo gratinado e o recheio verde, recomendo. O cholent estava bom, tão bom quanto um braseado de carne, batata e feijões pode ser, um verdadeiro caldo restaurador, teria caído melhor em um daqueles dias dolorosamente gelados de São Paulo, peça se estiver frio e se já tiver provado o farfel e o canelone. O chorizo é um prato tradicional de carne, fritas, bearnaise e um incrível purê de espinafre; sem firulas, pirotecnias e inovações serve muito bem o seu papel de prato obrigatório de carne, recomendo.
Depois de mais de 3 horas comendo e bebendo, não tivemos coragem (nem espaço) para pedir sobremesa e apenas pagamos a conta. Incrivelmente barata, pagamos 150 reais por pessoa e fomos embora já querendo retornar.
O Z Deli, na esquina da Lorena com a Haddock, oferece uma experiência aconchegante, confortável e intimista de verdadeira comensalidade. Sentado nos assentos confortáveis e rodeado por uma decoração bem feita, você esquece que é cliente de um restaurante e se sente no lar de um querido amigo. Você come bem, bebe água de graça e é muito bem introduzido à cozinha Yiddish. Se ainda não foi, coloque no topo da sua fila de restaurantes e vá, mas vá cedo porque ele está no topo da fila de muita gente.
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