Há muito tempo que eu queria ir ao Estadão Bar e Lanches no centro de São Paulo para comer seu famoso sanduíche de pernil, ontem enfim, consegui ir.
Era um dia chuvoso típico de São Paulo no qual a chuva consegue molhar apenas o seu ombro e suas meias, nem a chuva cai bem em São Paulo. Uma chuva mirrada e intermitente que não é forte o suficiente para cancelar seus planos e nem fraca o suficiente para ser desagradável, você é quase que moralmente obrigado a sair de casa na chuva. Quando chove no centro de São Paulo o odor de urina desaparece e torna a experiência de andar em um bairro caótico, um pouco mais amena. O centro de São Paulo te convida a existir de uma forma um pouco mais antiquada uma vez que, por medo de ser roubado, você não consulta o mapa do celular e têm que depender de sua memória e habilidade de se localizar (me perdi algumas vezes andando em círculos ao redor do Anhangabaú). O crime paulistano, portanto, oferece uma experiência bucólica de refúgio analógico ao transeunte da maior cidade da américa latina.
Quando finalmente consegui chegar no Estadão Bar e Lanches, encontrei muito conforto para os meus pés molhados naquele ambiente cheio, apertado e muito aconchegante. Percorri um balcão que parecia não terminar até encontrar um pedaço dele que estava vazio, não haviam bancos e fiquei de pé em frente ao balcão. Em protesto à minha vontade de sentar e aos Romanos, decidi me deleitar em comer de pé. Um homem cujo toda a aparência gritava "funcionário há 30 anos" me atendeu muito naturalmente. Pedi um kibe frito, um sanduíche de pernil e um suco de limão. O atendente se portava como uma estatua cansada e estoicamente apenas recebeu meu pedido de forma completamente neutra, processou mentalmente o que eu disse por alguns segundos, virou para trás e gritou "Um pernil!", virou para seu lado direito e falou "Limão." e olhou para a vitrine na sua frente, abriu-a e tirou um kibe frito de dentro que prontamente me foi servido em um pequeno prato retangular de papel.
O kibe estava morno, mal recheado e mal temperado mas meu foco era o sanduíche de pernil. Me atiçaram com 3 sanduíches de pernil que saíram do balcão pela minha frente até que o 4º que apareceu era o meu. Alto, bonito e visivelmente cheio de pernil, eu vi aquele objeto de um desejo tão maturado finalmente se materializar na minha frente.
O Estadão Bar e Lanches é muito mencionado pelos cozinheiros nas cozinhas de São Paulo como um ponto de encontro pós-trabalho e, por eu ser um tanto antissocial, apenas ouvia as histórias sem nunca saborear nada e cada um que falava do "Pernil do Estadão" aumentava mais o meu desejo. Quando eu finalmente pude colocar este sanduíche na boca eu percebi que se tratava de mais um daqueles clássicos casos culinários nos quais a tradição é mais forte do que o sabor. A mística, história e diversas estórias sobre o Estadão Bar e Lanches são os sabores predominantes da comida. O sanduíche em si é apenas um sanduíche de pernil. Já comi melhores. No meio do sanduíche busquei um pote de pimenta que se encontrava em cima de um pires sujo de pernil que se encontrava em cima de um barril também sujo de pernil. Mastiguei mais um pedaço do sanduíche enquanto criava coragem para apimentar essa morna relação que o estadão me vendera por 30 reais.
No grande contexto das pimentas e sanduíches de pernil, a pimenta do estadão se destaca mais do que o sanduíche, conservada em óleo na medida certa de picância e sabor.
O homem do suco esquecera de fazer o meu "limão" e levou um esporro do homem que me atendeu - "o limão do cara porra" - e respondeu como responde todo cozinheiro que esquece de algum pedido, "Ah, o limão né". Este suco foi melhor suco de limão que já tomei. Nunca tinha conseguido encontrar o equilíbrio entre o doce e o ácido como nesse suco. (uma vez, há uns 12 anos, na fazenda do meu avô, a esposa do caseiro tinha encontrado este equilíbrio perfeito mas curiosamente nunca mais a vi. Acredito que foi expulsa do éden por ter me proporcionado tanto prazer com uma fruta.").
Tudo ficou uns 50 reais. Paguei com dinheiro para agilizar o processo e na saída procurei o famigerado buraco na calçada por onde eles recebem os insumos, encontrei e eles estavam recebendo hortifrúti.
De modo geral foi gostoso e visitaria novamente se eu estivesse por perto mas não peregrinaria novamente até o centro de São Paulo só pelo Estadão Bar e Lanches. Se você nunca foi, vá.
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